Paisagem nas Artes Visuais

Principais referências – Primeira parte

É bem possível que nos últimos dias vocês tenham lido notícias sobre como a paisagem se alterou em consequência do distanciamento social. Para além de receber imagens desconcertantes de vários locais super conhecidos completamente esvaziados, vimos também a aparição do Monte Himalaia, que há anos não podia ser observado por causa da poluição.

Tudo isso demonstra como o ritmo acelerado de nossas vidas alterou importantes paisagens naturais. Ao mesmo tempo, a rotina muitas vezes nos impede de observar o entorno e ver com outros olhos os locais pelos quais passamos ou até mesmo os locais em que gostaríamos de ir.

A nossa postagem de hoje visa apresentar a forma como abordamos essa questão em sala de aula. Além disso, queremos também elencar algumas das referências no campo das Artes Visuais que podem ser utilizadas para construir uma ideia de paisagem que não somente representa, mas também nos inclui de forma crítica nela. Vamos lá?

O que é uma paisagem?

Esta pergunta pode iniciar uma conversa, para tentar compreender de quais pontos de vista os estudantes partem. Assim, dá para mapear se alguém já tem algum conceito elaborado e aproveitar o momento para fazer observações mais gerais. É possível também apresentar algumas imagens de paisagens reais. Da cidade na qual vocês se localizam e de outras, tentando articular alguma variedade de vistas rurais, urbanas e praianas.

Mas e nas Artes Visuais?

Com essa pergunta, a proposta é conversar sobre um conjunto de artistas que ficaram conhecidos por suas paisagens em pinturas ou desenhos. A tentativa é sempre equilibrar o trabalho de mulheres e homens, além de escutar os estudantes antes de trazer as informações sobre as obras. Aqui apresentamos algumas sugestões:

John Constable (1776 -1837): Na obra “Parque Wivenhoe”, pintada em 1816, o britânico fez uso de pinceladas soltas e expressivas, que evocam vividamente a natureza por meio da representação de árvores, nuvens, animais e um lago. A pintura, possivelmente partiu de um estudo realizado no local. Essa imagem foi para o atelier do artista para ser trabalhada na pintura, e por que não, reinterpretada. Naquele momento, sabemos que um lugar ao ar livre, como nas fazendas e seus arredores, era um símbolo de segurança e da natureza não desrespeitada pela cobiça humana e pelo desenvolvimento urbano. Trata-se de uma pintura carregada de sinceridade e que transmite uma sensação de serenidade, anseio pela vida simples e natural, ao mesmo tempo em que nos impõe a grandiosidade da natureza em nossas vidas.

John Constable, Parque Winvenhoe, 1816. Fonte:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/15/John_Constable_-_Wivenhoe_Park%2C_Essex_-_Google_Art_Project.jpg/1280px-John_Constable_-_Wivenhoe_Park%2C_Essex_-_Google_Art_Project.jpg



Gabriele Münter (1877-1962): A pintora alemã apresentou a obra “Paisagem com nuvens” em 1908. Trata-se de uma imagem realizada em cores vivas, muito característica do expressionismo alemão, do qual Münter fazia parte. Basta bater o olho nessa obra, para entender que o que motivou a artista não foi a representação realista de um campo com suas montanhas e árvores. No entanto, é possível perceber a atmosfera ensolarada e o movimento das nuvens no céu. Da mesma forma, também observamos como as linhas da pintura vibram em um ritmo contagiante e envolvente. Os contornos podem até dar uma sensação de solidez à obra, mas as nuances das massas de cores vibrantes rapidamente levam o nosso olhar do azul do céu até o verde das árvores, na parte inferior da tela. Com isso vemos uma paisagem surgir da ação direta da artista sobre a pintura, nos mostrando o impacto de sua subjetividade sobre o tema.

Gabrielle Münter, Paisagem com nuvens, 1908. Fonte: registro de exposição



Gustave Caillebotte (1848-1894): Em “Rua Parisiense, Dia Chuvoso”, de 1877, o pintor francês nos apresenta um recorte da notável e da característica modernidade parisiense do fim do século XIX. A composição assimétrica, com figuras passeando em primeiro plano e formas cortadas, demonstram como Caillebotte já apresentava uma reflexão inovadora para a cena lavada pela chuva. Esses elementos dão à obra um ar fotográfico que estimula uma sensibilidade um pouco mais radical na pintura. Caillebotte tinha como objetivo pintar o movimento da realidade assim como ela existia e como ele a via. Os seus traços distorcem a dimensão dos edifícios e a distância entre eles, criando um amplo ângulo de visão. Isso nos insere diretamente na cena e apresenta outra perspectiva para observarmos o movimento da capital francesa.

Gustave Caillebotte, Rua de Paris; Dia de chuva, 1877. Fonte: https://2.bp.blogspot.com/-cuiQt_elfGI/WHq3jB1-AeI/AAAAAAAAa7Q/PHMzgLYDJKobWHR0eH0krVfVxZT1C6p5QCLcB/w1200-h630-p-k-no-nu/Caillebotte_-_Paris_Street%253B_Rainy_Day_-_Google_Art_Project.jpg



Tarsila do Amaral (1886-1973): “Vista de Ouro Preto” foi um desenho realizado em 1924 pela artista brasileira. Ela nos apresenta a percepção de um momento especial, vivido com outros modernistas na viagem ao interior de Minas Gerais, realizada naquele ano. Na busca pela brasilidade, o pequeno recorte de paisagem tem um ângulo que nos faz ver o conjunto de casas do alto. O vazio entre as linhas que constituem os elementos da imagem, faz o nosso olhar completar a cena composta por janelas e portas abertas, traços que se aproximam sem se tocar formando a geografia montanhosa da cidade mineira. A delicadeza do traço dá a essa paisagem um ar de simplicidade e acolhimento, relatando uma visão poética que as cidades históricas do interior ainda carregam. Vemos o efeito de um olhar artístico repleto de pessoalidade, uma essência que desencadeia em nós a potência de seu imaginário.

Tarsila do Amaral, vista de Ouro Preto, 1924. Fonte:
https://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/000196001019.jpg



Pausa para uma observar atentamente uma imagem:

Aqui, utilizamos o exercício do olhar, proposto no livro “Why is art full of naked people?” de Susie Hodge. No capítulo, “Why paint a view?” (Por que pintar uma vista?), a autora introduz suas ideias apresentando a obra “Andarilho sobre o mar de nuvens” pintada em 1818 por Caspar David Friedrich (1774-1840). Para começar a conversa, basta pedir que os estudantes descrevam o que estão vendo. A pergunta: “A pintura é sobre o homem ou sobre o lugar?”, pode ajudar a dar continuidade à reflexão.

Caspar David Friedrich, Andarilho sobre o mar de nevoeiro, 1818. Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b9/Caspar_David_Friedrich_-_Wanderer_above_the_sea_of_fog.jpg


Caspar Friedrich é um pintor famoso por criar imagens de pessoas solitárias refletindo sobre a imensidão da natureza. Nessa obra vemos a expressão de um tema romântico. A pessoa em comunhão com a paisagem a sua frente, evoca na pintura os desdobramentos dos homens solitários da poesia romântica, que aparentavam vivenciar o mundo como que em um precipício de sua própria existência.

Quando ele coloca esse sujeito de costas, impossibilitando seu reconhecimento, é como se nós fossemos ele. Nós vemos a mesma coisa que ele vê. Mas o que ele está realmente vendo? Nesse momento, para auxiliar os estudantes, pode-se retomar o título da obra e perguntar se eles já viram um nevoeiro. Quando a gente o vê de cima, como na pintura, é assim mesmo, ele esconde a maior parte da paisagem. Vocês acham que ela fica mais misteriosa?

Essa obra nos ajuda a perceber que nem sempre uma paisagem é composta por aquilo o que está a mostra. Friedrich estava mais interessado em nos fazer refletir sobre o que não vemos na imagem. Susie Hodge destaca como isso nos leva a pensar sobre o poder da Natureza e como somos pequenos diante dela. Alguma vez vocês já sentiram isso?

Mas se vocês acham que artistas apenas representaram as paisagens em suas pinturas e desenhos, saibam que a arte contemporânea aponta para outros caminhos. Quer saber mais? Então fiquem ligados! No dia 23/04 vamos mostrar alguns trabalhos incríveis! Até lá!


Referências:
É possível o livro “Why is art full of naked people?” de Susie Hodge em sua versão em português de Portugal, intitulada “Porque tem a Arte Tanta Gente Nua?”.

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