O presente texto foi apresentado na abertura do II Colóquio Arte em Trânsito com a proposta de refletir um pouco sobre a expressão que nomeia o projeto de extensão. Compartilhamos com todos agora, a fim de que a reflexão sobre o assunto continue se desdobrando:
“Nem pensem em semáforos e faixas de trânsito para responder essa questão. Arte em Trânsito é um evento que acontece no Colégio de Aplicação João XXIII desde 2011, sendo parte de um projeto de extensão criado por professores da instituição. No entanto, essas informações técnicas não respondem efetivamente à questão que se coloca no título dessa apresentação. O que de fato é arte em trânsito?
Penso que estamos tratando de uma reflexão mais profunda, em que colocamos como centro uma necessidade fundamental da arte, pois a partir do momento em que ela se movimenta é que as suas questões são potencialmente exploradas, repercutindo, mudando, agregando, construindo sentidos e novas questões à cada novo contato, à cada novo olhar.
Esse movimento pode, em uma leitura mais estrita, ser parte do funcionamento da própria obra. Nesse sentido é impossível não lembrar, por exemplo de obras de arte cinética que etimologicamente estão ligadas à ideia de movimento, pois
“a especificidade da arte cinética […], é que nela o movimento constitui o princípio de estruturação. O cinetismo rompe assim com a condição estática da pintura, apresentando a obra como um objeto móvel, que não apenas traduz ou representa o movimento, mas está em movimento.” (Itaú Cultural, http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=353)
Outra lembrança que sempre surge, são os artistas que escolheram o trânsito enquanto poética como, por exemplo, Cildo Meirelles em seus “Circuitos Ideológicos”. Sabemos que essa é uma obra aberta à todos, pois foi feita para acontecer em espaços não institucionais. Quando questionado sobre as pessoas que procuram colecionar esse tipo obra, o próprio artista disse:
“Penso que nada impede que alguma coleção abrigue, por exemplo, as garrafas de Coca-Cola ou dinheiro com mensagem. [Mas] esta não é a obra, por que no momento que isso ocorre , você está negando sua eficácia que é circular. (em entrevista à Fellipe Scovino, pg 120)
No entanto, quando começamos a pensar um título para o nosso evento, ainda no final de 2010, imaginamos arte em trânsito, como uma figura de linguagem que coloca em questão um movimento que essencialmente pode não estar na obra. Aqui chegamos à um ponto crucial, pois pretendíamos tocar na questão do movimento que a obra de arte promove em cada um de nós e que, por consequência, nós promovemos quando aproximamos o conhecimento artístico de nossos alunos, por meio de nossas aulas, das nossas pesquisas ou de obras de arte (de nossa autoria ou dos artistas que estudamos e conhecemos).
No âmbito escolar, a ideia do trânsito como um movimento poético e intelectual da arte, nós leva a pensar que a obra “transita” de diferentes maneiras e de como sua mensagem é processada nesse movimento. Nesse sentido, a postura do professor e o modo como gerencia a relação entre os diversos conhecimentos sobre arte é o que faz diferença para que os alunos aprendam mais e melhor. A promoção de articulações que vão dando suporte para que o aluno construa seus próprios entendimentos sobre arte – admitimos as muitas possibilidades de leitura ou compreensão do acontecimento artístico – é uma tendência que não pode ser ignorada.
Nessa reflexão, cabe pensar o professor como um importante mediador, que precisa estar sempre conectado com os acontecimentos e conhecimentos artísticos, de forma que promova reflexões e diálogos com os alunos independente de suas faixas etárias. Assim, eles são retirados do lugar onde apenas recebem o conhecimento para, de forma dinâmica, construírem o conhecimento pela relação entre a prática e a teoria artística.
Nesse trânsito, ainda é possível pensar a nossa relação com os professores de outras disciplinas dentro da escola. Pois quando podemos contar com pessoas que se dispõem a formar conexões entre os conteúdos, ampliamos as possibilidades de leitura que os alunos podem ter sobre arte e sobre a disciplina com a qual dialogamos. Mas para que isso aconteça, é fundamental que o corpo docente da escola reconheça que arte tem conteúdo. Não estamos na escola para trabalhar desenho-pintura-escultura, fazendo por fazer. Isso me faz lembra uma frase de Ana Amália Barbosa “Não se faz interdisciplinaridade usando da habilidade de professor de artes”. Por isso o trânsito da arte dentro da escola, devidamente alinhado com o conhecimento trabalhado pela proposta pedagógica do professor, promove nos funcionários e outros professores a descoberta de uma área de conhecimento muitas vezes ignorada ou marginalizada na escola.
Como foi dito no início da minha apresentação são muitas os percursos que a arte cumpre no seu trânsito. Paralelamente à esse percurso, cabe a cada um de nós pensar e fazer pensar criticamente as suas potencialidades como um importante campo de saber, para expandirmos os campos de leitura e interpretações que somente a arte pode nos oferecer do mundo.”
Texto:
Renata Oliveira Caetano
Professora do Colégio de Aplicação João XXIII. Uma das coordenadoras do Projeto de Extensão Arte em Trânsito.